As eleições federais tanto para o governo como para a câmara de deputados foram realizadas ontem, die 23.02.2025. Em situação normal estas eleições teriam acontecido em Outubro de 2025. Porém, em Novembro de 2024, depois de várias crises dentro do grupo de governo de coalisão, o chanceler Scholz se expôs no parlamento (Bundestag) ao voto de confiança, ou seja, os membros do parlamento federal foram convocados a votar para ver se ainda confiavam na sua capacidade de gestão. Olav Scholz perdeu a parada. Isso abriu caminho para eleições antecipadas.

Colapso do governo de coalisão
No dia 6 de Novembro de 2024, o governo federal entrou em colapso total. A chamada coalizão de semáforo dos partidos sociais-democratas SPD (vermelho), Verdes e o Partido Democrático Livre FDP (amarelo) não conseguiu chegar a um acordo sobre o orçamento geral para o ano de 2025. No ano de 2023, os partidos governistas já haviam discutido por muito tempo sobre o orçamento federal da época, somente na marra o orçamento geral foi votado de forma definitiva. Em 2024 não foi diferente, as brigas em torno do orçamento, sobre como o dinheiro dos impostos devia ser distribuído, a economia devia ser alavancada e os investimentos devem ser intensificados e de quais fontes ficaram sem respostas decisivas. No auge da disputa o chanceler Olaf Scholz (SPD) se desentendeu fortemente com o Ministro das Finanças, Christian Lindner (FDP) e então o demitiu. Posteriormente, um grande número de Ministros do partido dele, o FDP (liberais), renunciou aos seus postos no governo federal e abandonaram assim a coalizão.
Desde então, a Alemanha estava sendo governada por um governo minoritário do SPD e dos Verdes. Juntos, ambos os partidos não possuíam maioria absoluta no parlamento federal. Eles não podiam aprovar leis por conta própria, pois dependiam de votos de outras facções. Para alcançar novas maiorias, uma nova eleição se tornou necessária.
Ontem, die 23.02.202, aconteceram as eleições e ela produziu três grandes surpresas
A primeira e maior surpresa ficou por conta do partido de extrema direita, AfD (Alternativa para a Alemanha), que com apoio massivo de Elon Mask e do Governo do Presidente dos EUA conquistou muito espaço. O Vice-Presidente do EUA se reuniu pessoalmente com a candidata do AfD a Chanceler, Alice Weidel, quando ele esteve na Alemanha em Janeiro de 2025. A segunda maior surpresa ficou por conta da alta participação dos eleitores. A última vez que a participação eleitoral foi maior do que as eleições de ontem foi na eleição federal 38 anos atrás, quando a Alemanha ainda nem mesmo havia se reunificado. A terceira mais interessante surpresa foi que, pela segunda vez, juntos, os partidos tradicionais CDU/CSU e SPD não conseguiram alcançar nem 50% dos votos.
Os eleitores deram um basta parcial nos partidos tradicionais que há décadas produzem resultados negativamente avassaladores
Para os sociais-democratas (SPD), esse foi o pior resultado eleitoral a nível federal desde a fundação da República Federal da Alemanha em 23.05.1949. Os sociais-democratas sempre se viram como um partido dos trabalhadores, mas eles se distanciaram muito da realidade. Essa miragem que eles tanto se empenharam em cultivar com suas narrativas, mas sem produzir os respectivos resultados, lhes custou caro. A maioria dos eleitores finalmente reconheceu que o SPD não mais tem alma de partido dos trabalhadores. Cerca de metade dos que votaram no SPD da última vez, nas eleições de 2021, abandonaram o SPD desta vez. O SPD se empenhou além do que era normal em distribuir esmolas sociais e não criou boas condições de trabalho e de renda para as pessoas que trabalham duro, mas ganham pouco; a pobreza está avançando muito rapidamente na Alemanha. A criminalidade se tornou insuportável, também por causa do acesso de gente pouco qualificada tanto culturalmente quando profissionalmente à Alemanha. A condição tradicional alemã de trabalhar para ganhar o suficiente para viver bem e construir um pequeno patrimônio foi completamente abandonada, justamente num governo de coalisão liderado pelo SPD. A esquerda tradicional alemã faz uso das causas dos trabalhadores porém, mais se preocupa consigo dos que com os trabalhadores.
O novo partido dos trabalhadores
Partido de extrema direita, a AfD, agora parece ter se tornado o novo partido dos trabalhadores, e curiosamente, parece também que se tornou o partido dos desempregados. A AfD cultiva o sentimento nacional e embasado nele promete melhores dias para os trabalhadores da Alemanha. Ele propagou intensamente na campanha que iria criar verdadeira condição de trabalho para quem trabalha duro e que sendo assim mereceria ganhar o suficiente para viver bem e construir um pequeno patrimônio sem precisar de esmola social do estado. E quem ficar desempregado por um curto espaço de tempo, vai receber uma renda digna até encontrar outro emprego correspondente. Fica aqui a dúvida, se a AfD vai mesmo conseguir tal resultado. A Alemanha está em fase de crise econômica que no contexto da nova geo-política global e o Estado está altamente endividado, a crise de energia exige muito investimento financeiro e as aposentadorias precisam urgentemente de garantias para serem pagas sem causar empobrecimento de quem se aposenta.

E a inseparável aliança CDU/CSU, antigos partidos de semi-extrema direita?
Para a aliança conservadora CDU/CSU, as eleições de ontem lhes renderam o segundo pior resultado (só a última vez, em 2021, foi pior). A aliança CDU/CSU, que agora tentará liderar o próximo governo de coalisão, afirmou que não irá formar uma coalisão com o partido de extrema direita, a AfD, este que foi o maior vencedor das eleições. Ela, a aliança conservadora CDU/CSU que ainda possui muitos eleitores idosos e altamente conservadores (Deutschtum) concentrou-se durante a campanha eleitoral principalmente em dois temas de grande interesse para essa clientela, um deles foi a política econômica (recuperar a antiga posição de uma super potência econômica mundial) e o outro tema foi política de estrangeiros (atrair somente gente qualificada para a Alemanha).
Graças ao eleitorado tradicional com idade mais avançada a aliança CDU/CSU ainda conseguiu se sobressair positivamente nesse contexto de mater distante do poder político os partidos tradicionais que colocaram a Alemanha nesse gigante atoleiro. Da década de 50 a 90 a aliança CDU/CSU era um partido de direita que tinha política muito semelhante à da AfD, partido agora caracterizado com partido de extrema direita.
Logo que o partido CDU (União Democrata Cristã Alemã) e CSU foram fundados, eles possuíam muitos eleitores ex-nazistas.
“Na pior catástrofe que já atingiu um país, a União Democrata Cristã da Alemanha, por amor ardente ao povo alemão, apela às forças cristãs, democráticas e sociais para se unirem, cooperarem e construírem um novo lar.” Em 26 de Junho de 1945, em Berlim, 35 mulheres e homens de cunho conservador, de vários segmentos da sociedade se uniram com fervor ideológico pela Alemanha (então sob controle das forças armadas aliadas) recém forçada a abdicar de seus propósitos nazistas assinaram um pacto para fundar o CDU.
O CDU foi fundado em 1945, no mesmo ano em que a Alemanha foi forçada a desistir de seus planos nazistas. E é de conhecimento geral que quando a Alemanha foi fundada com república até mesmo nos altos escalões dos três poderes da Alemanha republicana imperavam graúdos ex-nazistas.
O CSU também foi fundado imediatamente após o fim do nazismo, numa segunda guerra mundial. Alemães politicamente interessados que se viam na antiga tradição católica da Baviera reuniram-se em muitos lugares dessa região. Estes eram ex-membros do Partido Popular da Baviera (BVP), que foi dissolvido no “Terceiro Reich”, e da Associação de Agricultores da Baviera (BB). Os centros no novo partido são Würzburg e Munique. Em 12 de Setembro de 1945, numa reunião na Câmara Municipal de Munique, foi decidido qual seria o nome do novo partido: “União Social Cristã da Baviera”.
Todos os partidos que surgiram, depois que a Alemanha foi forçada a abdicar do seu Império III, tinham como objetivo transformar a Alemanha numa super potência mundial ao mesmo tempo empoderar os alemães e manter a tocha do Deutschtum ativa no peito dos cidadãos, desta vêz tomando o cuidado para o Deutschtum não se tornar um neo-nazismo dos tempos pós-nazismo (1945).
Entendendo o contexto
Para que os alemães pudessem ter seu próprio estado soberano, a Prússia, o principal estado na confederação germânica, forçou o acontecimento de três guerras (contra a Dinamarca, a Áustria e a França). Também houve um movimento pela união dos alemães e das minorias alemães num novo estado-nação alemã. Sob liderança liberal tal movimento tornou possível que um Estado-nação alemão emergisse no meio da Europa pela primeira vez na história. O movimento de unidade “a partir de baixo” também influenciou significativamente a concepção do novo Estado como uma monarquia constitucional com uma constituição e um parlamento com adoração de tudo que fosse alemão, o Deutschtum. As guerras de unificação tinham a finalidade de agregar regiões de estado soberanos, onde viviam minorias alemães aglutinadas nas regiões que depois da vitória foram agregadas ao território que deu porigem ao primeiro estado soberano alemão (Império II, em 18 de Janeiro de 1871)
Os alemães sabiam que em todas as épocas desde a fundação do primeiro Estado de cunho germânico o Deutschtum foi sempre a fonte de energia que unia o povo alemão em torno de seus ideais de grandeza e poder. Depois de novamente derrotados numa guerra mundial provocada por eles e estando sob controle das forças aliadas, a sociedade alemã uniu-se em torno de novos ideais a serem realizados sem força militar, mas aliado às atuantes grandes potencias, principalmente aos EUA. A energia continuou vindo do Deutschtum porém canalizada para empedrar o país e sua sociedade numa nova comunidade global.
O Deutschtum, em todos os tempos desde 1891 se serviu do cristianismo, tanto do católico, como do protestante para formar o sentimento nacional necessário na alma alemã de todos os tempos desde 1891. Para os alemães que através do Iluminismo perderam a crença ou enfraqueceram a crença no cristianismo a crença no Deutschtum lhes servia até mesmo de âncora espiritual.
O cristianismo protestante exerceu um papel crucial na manutenção do Deutschtum no exterior, onde existiam grandes grupos de alemães aglutinados numa mesma região, ex. nos EUA, no Brasil, na Polônia, Rússia, etc.. No Brasil, durante os impérios alemães II e III os alemães e brasileiros descendentes de alemães empreenderam fortes esforços para separar a região sul e transformá-la em uma Neudeutschland (Nova Alemanha). Os ideais de Bismarck sob a a influência do Deutschtum tornaram isso possível.
Mas o destino tem dificultado a manutenção política do Deutschtum
Do final da década de 90 para cá, os partidos como CDU e CSU tem migrado para os temas do centro. Com a crise demográfica tais partidos tradicionais da ala bem à direita deram espaço aos partidos de forte extrema direita como por exemplo a AfD. A AfD tem no seu grupo de eleitores muita gente saudosa dos tempos passados da Alemanha na Europa e no resto do mundo. Mesmo assim, o fenômeno causado pela ocorrência da guerra fria (Forças aliadas toleraram nazistas nos novos partidos da Alemanha como república), acontece novamente. Os EUA deram um forte apoio a tal partido e se espera que tais saudosismos fiquem bem abafados e sem causar espantos durante os primeiros anos de uma gestão em conjunta com a AfD, até que esta se fortaleça. Porém seus desafios são quase insuperáveis.
O problema demográfico e a necessidade de atrair estrangeiros qualificados para a Alemanha farão com que a Afd aja bem moderadamente, sob pena de a Alemanha se enfraquecer e se tornar insignificante na economia global da que ela é cronicamente dependente.