Se escuta no círculo de amizades e se lê com relativa crescente frequência na mídia sobre a Alemanha e seu declínio. Quando se fala disso, se relaciona ao declínio do poder econômico e consequentemente do poder político da Alemanha. Acredita-se que tal declínio já esteja se concretizando há décadas.
Pré-história dessa evolução
Com a ascenção econômica de países-chaves para o suprimento da Alemanha com matérias-primas baratas, com a perda de importância do FMI e das suas políticas financeiras que mais serviam para endividar os países ricos em matéria-primas, com as políiticas nacionais dos novos governos dos países sub-desenvolvidos, cujos mercados internos funcionavam como quintais para os produtos dos países do G7, e com a ascenção da China como país comprador de matéria-primas e produtos do Agri-Business dos países em desenvolvimento, a Alemanha se via cada vêz mais coagida a mudar seu modêlo de negócios internacionais. Porém ela se descuidou do foco e adquiriu miopia para uma visão estratégica clara; os fatores internos e externos que afetavam a Alemanha não eram completamente levados a sério e ela permaneceu confiando demais em seus antigos valores, estes que a tornaram poderosa desde o final da 2a guerra mundial com a crença na antiga fórmula: “am deutschen Wesen mag die Welt genesen” (“do jeito alemão o mundo deve se ajustar”).
Quando o G7 criou o G20 para iniciar um diálogo mais justo com estes países, os sinais já eram bem visíveis de que o mundo da competição entre as nações estava se transformando. Já desde a década de 50 quando se desencadeou a 3a Revolução Industrial os países em desenvolvimentos, na época chamados de países do 3o Mundo, ou seja, pior do que os países comunistas que eram taxados de países do 2o mundo, buscavam conhecimentos tecnológicos. Mas a pobreza de suas massas populares, oriunda da ignorância e do egoísmos de suas próprias políticas de desenvolvimento econômica, impediu-lhes a aquisição em massa de tais conhecimentos.
Somente com advento das tecnologias da internet e com o acesso da massas populares a enérgia elétrica e aos computadores a massa de cidadãos dos países pobres e sub-desenvolvidos galgou seu acesso ao rico acervo de informações na internet e sendo assim, as massas populares passaram a ter acesso a todo tipo de informação, inclusive aos conhecimentos políticos, econômicos, sociais e tecnológicos. Foi desses esforços populares que surgiu uma nova auto-estima nas massas populares nesses países do então 3o mundo. Dessas classes de cidadãos bem mais informados e sedentos por mais justiça social vieram os novos políticos com novas soluções políticas, e contidas nelas estavam as exigências populares em defesa de seus interesses, dos legítimnos interesses de seus países (combate à corrupção, justa distribuição de renda, etc.). Assim as novas direitas políticas nos países em desenvolvimento e nos países pobres do planeta se organizaram para lutar por mais justiça econômica e social para os cidadãos de seus países.
Tais países sub-desenvolvidos e ricos em territótios e recursos naturais, que outrora estavam sob um certo efetivo controle de seus “parceiros” internacionais e que ao mesmo tempo, também eram seus competidores tanto no mercado interno quanto no externo, exigem agora que suas condições sejam aceitas para que seus parceiros de outrora e todos os novos possam participar das vantagens de seus territótios e seus limitados recursos naturais – almeja-se uma parceria de valor justo e tal valor não é mais ditado como no passado.
Venceu e se tornou poderosa sem fazer guerra bélica
De 1949 a 1980 a Alemanha mostrou ao mundo que ela somente se deixou vencer militarmente na II Guerra mundial. Nesta guerra somente suas forças-armadas, seus prédios e suas infra-estruturas físicas haviam sido destruídas, mas suas forças culturais e o orgulho germânico (germanidade ou Deutschtum) permaneceram intactos regendo a alma dos sobreviventes alemães e de todos os seus descendentes espalhados pelo mundo, gerações após gerações. E foram tais fatores culturais que politicamente haviam se solidificados na alma germânica durante o 2o império alemão, que ajudaram a atual Alemanha republicana em poucos anos, depois da derrota do seu III Império, a se reerguer e se reposicionar no mundo de forma pacífica como uma das mais potentes nações do mundo. Ela havia aprendido a vencer sem guerra bélica e sem perseguição racial.
Mas a mesma Alemanha republicana, agora no início da segunda década do século 21, parece estar acometida dos males que fizeram diversos impérios falir, ou seja, confiou demais na qualidade de seus poderes e de suas vantagens comparativo-competitivas e jogou um pocker perigoso no contexto da competição internacional – por quantro longos anos seu principal parceiro e protetor, os EUA, lhe forçou a ficar no quintal de suas políticas de desenvolvimento geo-político.
A guerra russo-ucraniana no contexto do declínio da Alemanha
A guerra russo-ucraniana foi somente o “pingo d´água que fez o barril derramar”, ou seja, escancarou de vêz a situação de fraqueza interna da Alemanha: dependência exagerada da matéria-prima de outros países.
Um matéria de hoje no Jornal Finanzen100 tocou na ferida de maneira bem clara:
“As sanções contra a Rússia e as medidas contra o coronavírus estão surtindo efeito total – encerrando o modelo de negócios da Alemanha: o campeão mundial de exportação foi rebaixado para a 2ª Bundesliga. O superávit de exportação pulverizou-se para apenas 0,5 bilhão de euros marginais em maio. O superávit comercial nos primeiros cinco meses de 2022 caiu 70,7% em relação ao ano anterior” Jornal Finanzen100 – Das Börsenportal
Querem um exemplo? A antiga força motriz da economia alemã, os fabricantes de automóveis, são um símbolo do declínio. Em 2021, a produção já havia caído 11,7%, e agora perdem outros 2,9% no primeiro semestre de 2022 em relação ao ano anterior.
O que se questiona, é se com esses dois fatores externos de influência (guerra russo-ucraniana e medidas contra o covid) no modêlo de gestão político-econômico tenha acelerado o declínio da Alemanha e se a culpa é dos políticos. A Alemanha já vinha sofrendo com as consequências dos impactos de dois fatores-chaves em seu modêlo de gestão:
- O problema da demografia: a Alemanha há décadas constatou que precisa de imigrantes quaificados, pois sua população de gente de sangue alemão passou a envelhecer muito rapidamente sem se reproduzir e a quantidade de descendentes de alemães habitando outras regiões do mundo não vinham em quantidade suficiente morar no país de seus ancestrais.
- O problema do racismo e da discriminação exagerados: dois assuntos tratados de forma inadequada desde sempre. Basta pesquisar na internet que rapidamente se encontra os alertas dos experts e as reportagens sobre assassinatos, perseguições, etc. nesse contexto. Isso sem se falar na prática discriminatória nas empresas alemães dentro e fora da Alemanha. Os melhores cargos estavam sempre reservados para alemães. Nas universidades alemães vários tipos de ajuda financeira estavam consicionadas ao retorno do estudante ao seu país de origem após o término dos estudos. Por essas e por outras coisas dessa natureza é que imigrantes qualificados, quando decidiam imigrar para a Alemanha, em pouco tempo, abandonavam o país e iam morar num país onde tais pronblemas não eram decisivos para suas carreiras profissionais.
Culpa da política?
Culpa-se a gestão política da Alemanha nas últimas décadas por tal situação. Porém colocar a culpa na política é coisa fácil e confortável, pois dela e da mídia que lhes apoia, sabe-se que as informações passadas adiantes pelos dois podem ser verdade e ou mentira, são irmães gêmeas e por isso dificil de serem reconhecidas logo de cara.
Mas se fizermos um esforço, principalmente aqueles que realmente conhecem a Alemanha, vamos atestar que a política sozinha somente corresponde ao pelotão de frente, aquele que é bem pago para levar as pauladas e defender os verdadeiros mandatários, ou seja, os generais. Quem conhece bem a Alemanha, sabe como ela funciona. Sem levarmos em conta a germanidade (Deutschtum) como fomento dos dois problemas citados mais acima, sabe-se bem que políticos na Alemanha funcionam como os peões no jogo de xadrez, que também é composto pelas peças Empresas e Aparato Público. Os peõs se apresentam à massa de elitores disfarçados de verdadeiros líderes com verdadeiros poderes do executivo no sistema democrático alemão. Mas na verdade tais peões funcionam como “assistentes executivos” das poderosas empresas alemães (com suas poderosas associações e lobbies). Outro grupo que influência a gestão de forma ativa e efetiva são os orgãos estatais cujo cunho ainda é do tempo do império alemão e trabalha com uma mentalidade altamente inapropriada para os tempos atuais, para não dizer que tem dificuldades de reeducar a mentalidade “deutschtumizada”. Além desses dois poderes que atuam de forma “secreta”, por detrás do ambiente público-democrático, ainda existem as instituições que compõe a mídia. Esta funciona como uma prostituta, vai na onda de quem paga melhor.
A Alemanha dispõe de um institucionalizado e poderoso serviço secreto, o Bundesnachrichtendienst (BND), e sabe-se por intuição (pois ninguém se atreve a tornar isso público) que também existe uma ligação entre o BND, as multinacionais alemães e suas poderosas associações industriais. Por isso não é lógico que somente os políticos façam uso das informações geradas nesse contexto estratégico. A política pode ser o culpado mais óbvio e fácil de se apontar com o dedo, mas a economia alemã e a vasta maioria do aparato estatal, ou seja, orgãos públicos, tem um peso duplo na qualidade da gestão dos destinos da nação alemã.
Em defesa da política
Dentre os três e verdadeiros poderes da República Federal da Alemanha, ou seja, a Política, as Empresas (suas Associações e Lobbies) bem como o Aparato Estatal, é a Política que mais tem empreendido esforços concretos para reformar a Alemanha. Com toda turbulência e adversidades nesse ambiente cultural em transformação, foram políticos corajosos que decidiram agir para dar guinadas no percurso da Alemanha ao longo das últimas décadas. Quando as barreiras impostas pelas indústrias e /ou pelo poderoso aparato estatal são intransponíveis e as lutas se tornam mortais, não podemos culpar políticos por não se “auto-suicidarem” politicamente.
A Alemanha não vai fracasar
Nos últimos anos a política alemã tem demonstrado efetivamente lutar por um ajuste na maneira de seu poder ser útil ao mundo, dele servir para gerar uma luz de esperança para todos que habitam não soimente seu território, mas também o mundo. Com todos os erros cometidos até os dias de hoje e pelo preço que muitos de seus habitantes precisaram ou precisam pagar por terem sido persistentes em não abandonar o país e sim continuar unindo forças para dar sua contribuição individual possível, a Alemanha pode se reinventar usando o que ela tem de excelente gerado nas suas centenas de anos.
Se a vida continua e precisamos de mais e melhor forma de convivência na Alemanha e da Alemanha com outros povos, então não importa o passado da Alemanha com império, povo destes impérios e povo do início da nova Alemanha. O que verdadeiramente importa agora nesta época e daqui em diante, é que a atual Alemanha verdadeiramente assuma sua responsabilidade de gerar uma bela luz no mundo e se tomarmos um pensamento de Edith Wharton como referência, podemos dizer que “há duas maneiras de espalhar a luz: ser uma luz ou o espelho que a reflete” e não mais pensar e agir nos têrmos “am deutschen Wesen mag die Welt genesen” (“do jeito alemão o mundo deve se ajustar“)